26.2.07
O Horror no Cinema Americano
Este Sábado, ou seja, ontem à noite, à roda da meia-noite, ao percorrer os 4 canais da Televisão Portuguesa, tive a oportunidade de comparar dois tipos de cultura cinematográfica, mais do que isso, talvez mesmo dois tipos de civilização.
Dos três filmes que àquela hora passavam, dois americanos e um francês, os primeiros, O Monstro/Monster e Desespero/Desperation, mais recentes, de 2003 e 2006, respectivamente; o terceiro, o francês, La Femme d’à Coté/A Mulher do Lado, de 1981.
Duas escolas, duas sensibilidades, dois tipos de cultura, ali podemos reconhecer, ainda que estejamos a comparar filmes de épocas diferentes, distanciadas de mais de vinte anos.
Aqueles dois filmes americanos evidenciavam com exuberância a fase de violência festiva, estupidamente inútil, de pura brutalidade e desespero, por que presentemente passa a sociedade ocidental, na sua extremada versão americana, porventura não de uma forma tão exacerbada como os seus filmes a pretendem representar, mas, mesmo assim, capaz de inspirar preocupação e fundado receio a um qualquer observador, ainda não completamente rendido à fealdade do terror quotidiano das ditas mais avançadas sociedades do planeta.
Tudo ali visava excitar ou chocar o incauto espectador: a imoralidade, a violência física, mental e verbal, a degradação dos caracteres das personagens, a boçalidade dos ambientes, uma explosiva mistura para um autêntico pavor de fim do mundo, uma espécie de antevisão do fim da civilização euro-americana, tal como a conhecíamos até há uma época recente.
Nem lá faltavam os famigerados cães, ferozes e ameaçadores, para aterrorizarem os presos, encerrados nas suas celas de grades abertas. O mais era sangue, gritaria, violência, tiroteio desbragado e quase só destruição: a habitual composição de marca dos modernos filmes americanos.
Que imenso caminho já percorrido, podemos comprovar, desde o belo cinema americano das décadas douradas de 40 a 60-70 do século XX, até à actual orgia de violência e brutalidade por que enveredou a filmatografia norte-americana.
Para nossa maior amargura ainda, um pouco por todo o lado, este horrível paradigma cinematográfico vai sendo persistentemente macaqueado, com o triste e difuso empobrecimento cultural que daí resulta.
É impossível que tal processo ocorra sem consequências nocivas na mentalidade de quem consome semelhante mixórdia cultural. Anos sucessivos, horas intermináveis de visionamento destes sórdidos produtos, impropriamente designados culturais, arruínam, corrompem, até à medula, a consciência cívica e moral de qualquer ser humano.
Depois disto, todos os absurdos comportamentos do Homem são possíveis, na paz e, pior ainda, na guerra. Não nos espantemos, pois, das atrocidades dos militares americanos no Iraque, onde a prática da violência gratuita, sádica, mesquinha e, bastas vezes, desnecessária encontrou aí o seu apropriado campo de aplicação.
Não guardo ideia de algo de semelhante se ter passado antes, mesmo no auge do horror do Vietname. Creio que, entretanto, avançámos demasiado no desastroso caminho da brutalidade e da sua consequente cegueira moral.
A avaliar pelos resultados, já hoje bem perceptíveis, a Televisão e o Cinema americanos devem ser considerados dois dos grandes, talvez os maiores, factores de imbecilização e embrutecimento do género humano, na sociedade contemporânea, em contraponto com o seu enorme desenvolvimento científico e tecnológico, de resto, grandemente desaproveitado.
Já o outro filme de que falei, o francês, La Femme d’à Coté/A Mulher do Lado, de 1981, do realizador François Truffaut, com as notáveis interpretações do típico gaulês, Gérard Dépardieu, e da insinuante Fanny Ardant, apesar do seu desfecho trágico, transporta-nos agradavelmente a outro grau de civilização.
Todo o filme decorre num ambiente cordato, mas complexo, de contraditórias emoções acentuadas pelo conflituoso psiquismo das personagens, acabando por gerar insanáveis dificuldades nas relações dos dois casais, subitamente em crise.
No entanto, todo este universo de emoções se vai desenrolando, sempre dentro de um ameno quadro civilizacional, de completa normalidade, condizente com o visível conforto material em que as personagens vivem.
Foi por este estimulante filme que, ontem, salvei a minha noite tardia de Televisão, cada vez menos, o passatempo ou a companhia que procuro e muito menos recomendo.
Cabe, por isso, perguntar : que ganharemos nós outros, europeus, latinos ou anglo-saxónicos, teutónicos, nórdicos ou eslavos em culturalmente nos americanizarmos até à indistinção, abandonando a nossa especificidade, a nossa sensibilidade estético-cultural, copiando mecanicamente um modelo social, cultural e civilizacional, todo ele profundamente atingido de múltiplas taras alienantes, absolutamente degradantes de qualquer arquétipo de vida decente anteriormente conhecido, inclusive dos próprios americanos ?
Custa assim tanto reconhecer o óbvio ?
Dos três filmes que àquela hora passavam, dois americanos e um francês, os primeiros, O Monstro/Monster e Desespero/Desperation, mais recentes, de 2003 e 2006, respectivamente; o terceiro, o francês, La Femme d’à Coté/A Mulher do Lado, de 1981.
Duas escolas, duas sensibilidades, dois tipos de cultura, ali podemos reconhecer, ainda que estejamos a comparar filmes de épocas diferentes, distanciadas de mais de vinte anos.
Aqueles dois filmes americanos evidenciavam com exuberância a fase de violência festiva, estupidamente inútil, de pura brutalidade e desespero, por que presentemente passa a sociedade ocidental, na sua extremada versão americana, porventura não de uma forma tão exacerbada como os seus filmes a pretendem representar, mas, mesmo assim, capaz de inspirar preocupação e fundado receio a um qualquer observador, ainda não completamente rendido à fealdade do terror quotidiano das ditas mais avançadas sociedades do planeta.
Tudo ali visava excitar ou chocar o incauto espectador: a imoralidade, a violência física, mental e verbal, a degradação dos caracteres das personagens, a boçalidade dos ambientes, uma explosiva mistura para um autêntico pavor de fim do mundo, uma espécie de antevisão do fim da civilização euro-americana, tal como a conhecíamos até há uma época recente.
Nem lá faltavam os famigerados cães, ferozes e ameaçadores, para aterrorizarem os presos, encerrados nas suas celas de grades abertas. O mais era sangue, gritaria, violência, tiroteio desbragado e quase só destruição: a habitual composição de marca dos modernos filmes americanos.
Que imenso caminho já percorrido, podemos comprovar, desde o belo cinema americano das décadas douradas de 40 a 60-70 do século XX, até à actual orgia de violência e brutalidade por que enveredou a filmatografia norte-americana.
Para nossa maior amargura ainda, um pouco por todo o lado, este horrível paradigma cinematográfico vai sendo persistentemente macaqueado, com o triste e difuso empobrecimento cultural que daí resulta.
É impossível que tal processo ocorra sem consequências nocivas na mentalidade de quem consome semelhante mixórdia cultural. Anos sucessivos, horas intermináveis de visionamento destes sórdidos produtos, impropriamente designados culturais, arruínam, corrompem, até à medula, a consciência cívica e moral de qualquer ser humano.
Depois disto, todos os absurdos comportamentos do Homem são possíveis, na paz e, pior ainda, na guerra. Não nos espantemos, pois, das atrocidades dos militares americanos no Iraque, onde a prática da violência gratuita, sádica, mesquinha e, bastas vezes, desnecessária encontrou aí o seu apropriado campo de aplicação.
Não guardo ideia de algo de semelhante se ter passado antes, mesmo no auge do horror do Vietname. Creio que, entretanto, avançámos demasiado no desastroso caminho da brutalidade e da sua consequente cegueira moral.
A avaliar pelos resultados, já hoje bem perceptíveis, a Televisão e o Cinema americanos devem ser considerados dois dos grandes, talvez os maiores, factores de imbecilização e embrutecimento do género humano, na sociedade contemporânea, em contraponto com o seu enorme desenvolvimento científico e tecnológico, de resto, grandemente desaproveitado.
Já o outro filme de que falei, o francês, La Femme d’à Coté/A Mulher do Lado, de 1981, do realizador François Truffaut, com as notáveis interpretações do típico gaulês, Gérard Dépardieu, e da insinuante Fanny Ardant, apesar do seu desfecho trágico, transporta-nos agradavelmente a outro grau de civilização.
Todo o filme decorre num ambiente cordato, mas complexo, de contraditórias emoções acentuadas pelo conflituoso psiquismo das personagens, acabando por gerar insanáveis dificuldades nas relações dos dois casais, subitamente em crise.
No entanto, todo este universo de emoções se vai desenrolando, sempre dentro de um ameno quadro civilizacional, de completa normalidade, condizente com o visível conforto material em que as personagens vivem.
Foi por este estimulante filme que, ontem, salvei a minha noite tardia de Televisão, cada vez menos, o passatempo ou a companhia que procuro e muito menos recomendo.
Cabe, por isso, perguntar : que ganharemos nós outros, europeus, latinos ou anglo-saxónicos, teutónicos, nórdicos ou eslavos em culturalmente nos americanizarmos até à indistinção, abandonando a nossa especificidade, a nossa sensibilidade estético-cultural, copiando mecanicamente um modelo social, cultural e civilizacional, todo ele profundamente atingido de múltiplas taras alienantes, absolutamente degradantes de qualquer arquétipo de vida decente anteriormente conhecido, inclusive dos próprios americanos ?
Custa assim tanto reconhecer o óbvio ?
AV_Lisboa, 25 de Fevereiro de 2007
20.2.07
Notícias dos Náufragos do PSD
Há uns quatro anos gastei ingloriamente algum latim com a questão do Partido Social-Democrático, como lhe chamou Sá Carneiro, e da sua desconcertante política, falha de enquadramento ideológico, de coerência, de estratégia, de rigor e de exigência nas escolhas dos seus protagonistas políticos.
De então para cá, praticamente nada melhorou, tirante a expurgação dos autarcas acusados de corrupção, em si mesma uma medida salutar. Confirmaram-se, porém, todas as tendências, todas as preocupações anteriores, acentuaram-se os erros e com eles agravou-se a desmotivação dos seus militantes e eleitores.
Quem via em Marques Mendes o líder de transição, a caminho de uma desejada regeneração, vê nele, agora, mais uma confirmação da decepção, da incapacidade, da inconsequência, mero agente continuador da agonia de uma organização sem bússola e sem referência.
Daí que as notícias sobre o futuro do Partido já quase não despertem nenhum interesse, nem entre os actuais militantes, nem entre os antigos simpatizantes. Vozes desacreditadas falam como falaram ou deixaram de falar sobre o Partido, o País e o Mundo : as mesmas trivialidades, as mesmas sensaborias, as mesmas decepções.
E, no entanto, o papel que este Partido poderia desempenhar na sociedade portuguesa permanece importante e sem representação adequada.
O seu aparentemente mais próximo parceiro político, na filiação doutrinária, longínqua, em ambos os casos, o Partido Socialista, assim por extenso, para reavivar memórias, está hoje, mais do que nunca, transformado num verdadeiro partido de regime, ávido em ocupar território, no Estado e fora dele, a troco de negócios ou benefícios de interesse mútuo com os eventuais clientes que vai encontrando pelo meio desse caminho interminável e avassalador.
Vemos assim surgir, com política estupefacção, uma espécie de nova União Nacional ou Acção Nacional Popular, menos nacional e menos popular, mas não menos unida, activa e açambarcadora agremiação que aquelas outras que a antecederam.
Desde Soares, passando por Sampaio, Guterres ou Sócrates a lógica que orienta este Partido, estranhamente designado de Socialista, é clara e persistente : ocupação progressiva do aparelho de Estado e de todos os demais sectores políticos existentes na sociedade.
Para isso, desacredita quanto pode o seu rival no Poder, o PSD, que lhe facilita a tarefa, com a sua proverbial desorganização, falha de orientação doutrinária, manipulado, à vez, por líderes oportunistas, igualmente ocos de ideias ou de desígnios mobilizadores, mas freneticamente ávidos de poder e de protagonismo.
De incoerência em incoerência, este desconjuntado Partido, o PSD, que já foi considerado o partido mais português de Portugal, foi esbanjando a credibilidade e o prestígio de si mesmo e o prestígio e a credibilidade de alguns dos seus militantes históricos, que o representaram, com certa notoriedade, durante ainda certo tempo, antes de encontrarem a sua vocação derradeira na arte de bem gerir ou administrar toda a Empresa ou Instituição, pública ou privada, arte essa, felizmente para eles, bem remunerada, para convenientemente os ressarcir de todos os passados incómodos.
Aqui chegados, com a motivação em baixo, a família social-democrática já quase não reage a notícias como a da saída de José Júdice, que, de resto, nunca se notabilizou como possuidor de pensamento ou sensibilidade social-democráticos, muito menos depois dos êxitos empresariais do seu escritório de advogados, qual firma próspera de consultores bem relacionados com todos os bastidores do Poder, quaisquer que sejam os seus senhorios em exercício.
Eis-nos então, mais uma vez, ante a irrecusável questão : que fazer, camaradas, companheiros, colegas ou simplesmente honrados concidadãos desta multi-centenária e algo martirizada Nação : reanimar este moribundo PSD, aderir à nova Acção Nacional Popular ou ousar erguer outra organização política, no espaço político moderado da Social-Democracia ajustada a realidade do século XXI ?
Haja quem responda !
AV_Lisboa, 20 de Fevereiro de 2007
13.2.07
Velhas Sintonias com a Dupla Clinton - Al Gore
Ainda a propósito da forte empatia política dos socialistas portugueses com a antiga dupla presidencial norte-americana, Bill Clinton-Al Gore, convém evocar aqui, para alguns desmemoriados, certos episódios pitorescos ocorridos durante esses anos cândidos e fartos do Guterrismo em Portugal.
Nessa heróica época política, entre 1995 e 2001, a sintonia do Governo luso com aquela dupla de sucesso planetário era praticamente total.
Podiam eles ordenar bombardeamentos preventivos ou punitivos no Iraque, no Sudão ou alhures, promover a destruição meticulosa e paciente das infra-estruturas da Sérvia, como fizeram em 1999, era Guterres o chefe do Governo Português, que quase nenhuma voz socialista se fazia ouvir, com a excepção de Soares que já vivia então a sua reencarnação esquerdista, subitamente ocorrida, após a saída da Presidência da República, onde estanciou dez proveitosos anos de alegres romarias e excitantes picardias políticas contra o seu Primeiro-Ministro Cavaco, o gajo, como carinhosamente se lhe referia, entre amigos.
No mais, a família socialista permanecia aquiescente, compassiva com a sanha destruidora de Clinton, que, dizia-se, com tanto estrondo, mais não pretendia que abafar as os murmúrios originados pelas suas repetidas travessuras na Casa Branca, de que insistentemente o acusavam.
Vimo-lo, depois, por diversas vezes, a desdobrar-se em explicações, até à saída da missa, de Bíblia na mão, confessando que estava arrependido dessas mesmas travessuras, ainda por cima praticadas em horas de expediente, nos amplos salões da Casa Branca.
Assegurava-nos Clinton, no entanto, que aquilo que ele tinha feito era censurável, sem dúvida, mas que, por isso mesmo, já tinha pedido desculpa a todos os que havia magoado ou decepcionado.
Enquanto proferia estes doridos discursos, sempre de coração contrito, como podemos imaginar, as opotunas câmaras da TV ofereciam-nos o olhar complacente da sua doce Hillary, de novo a seu lado, reconciliada, indulgente, a bem da harmonia familiar e presidencial, como bons cristãos, que ambos eram, afinal.
Tudo isto, hoje, está esquecido e perdoado. Democratas americanos e socialistas europeus pressurosamente absolveram Clinton. Por sorte, um Bush desastrado deu-lhes oportunidade de voltar a odiar a velha América, a de Nixon e de Reagan, para se congraçarem com os seus velhos esquerdismos, mais moderado, certamente, o dos americanos, sobretudo no plano social e económico.
Clinton saiu da Casa Branca grandemente festejado. Foi entreter-se a escrever as suas memórias e a dar conferências, porventura ainda mais bem pagas que as do seu Vice, Al Gore, que, nestas coisas, o Capitalismo americano é mesmo generoso, até para democratas.
Uma onda de simpatia socialista, por esse mundo fora, continuou a acompanhar a figura de Bill Clinton, que agora parece transferir-se para a amável e circunspecta Hillary, próxima grande esperança da Humanidade globalizada.
Falta pouco para voltarmos a ver a voluntariosa concertação política dos socialistas lusos com as inclinações da Casa Branca.
Aliás, diga-se, em abono da verdade, mesmo com o seu inquilino actual, Sócrates e o seu Governo socialista não têm deixado de adoptar uma atitude razoavelmente cooperante, bem longe das críticas exaltadas de alguns dos seus membros quando estavam na oposição.
Também aqui, não se regista nenhuma novidade. Não era Soares um bom amigo de Reagan. De resto, este sempre o considerou o melhor tipo de político socialista com quem tratou, coisa que Soares, hoje, talvez não considere como um elogio ou sequer cumprimento.
Este ameno clima de entendimento político de Sócrates com a Casa Branca melhorará, certamente, dentro de algum tempo, se o próximo inquilino daquela famosa casa vier a sair da família democrática americana, como tudo indica, para maior sossego das nossas martirizadas consciências.
Parece muito pouco provável que a oito anos de Presidência republicana, com este seu algo infeliz artífice, se sigam mais quatro, salvo se os Democratas forem desencantar um candidato aparentado com o de 2004, o desastrado John Kerry, de má memória.
Mesmo assim, com o passivo de Bush, a expectável vitória dos democratas já hoje se vive como um festejo antecipado. E não apenas na América...
AV_Lisboa, 13 de Fevereiro de 2007
11.2.07
Um Conveniente Pregador da Verdade Intermitente
O mais ruidoso arauto dos perigos do aquecimento global passou esta semana por Lisboa no exercício do seu superior magistério.
Com enorme aparato, meia-Lisboa elegante, abastada e presunçosa, no geral, acorreu a ouvir o facundo Al Gore, ex-Vice-Presidente dos EUA, nos anos dourados da supremacia mundial americana de Bill Clinton, ex-candidato a Presidente dos EUA, derrotado pelo tosco G. W. Bush, ainda que de forma suspeitosa, mas com surpresa, apesar de tudo.
Sempre os socialistas portugueses andaram de mãos dadas com os democratas americanos. Abençoaram Clinton e Gore, quando ambos dirigiam bondosamente, por certo, os destinos da maior potência da Humanidade.
António Guterres, recordemo-lo, quis até fazer de Clinton distinto membro da Internacional Socialista, velha instituição de veneráveis pergaminhos, mesmo depois de ter desistido de lutar pela implantação da sua primitiva doutrina inspiradora, há muito encerrada em funda gaveta, provavelmente a mesma onde também Mário Soares um dia a colocou, a bom recato, quando desempenhou os seus pouco venturosos cargos de Primeiro-Ministro, não para ele, claro, que tudo o que toca transforma em gozo pessoal, hedonista impenitente, mas para quem, ordinariamente, os sofreu, fora do seu largo manto de patriarca socialista.
Na verdade, como eu acho patuscos estes presumidos socialistas, que julgam tudo lhes ser permitido e tolerado, desde que cumpram o seu pequeno ritual de impropérios às ditaduras pretéritas e futuras, ao mesmo tempo que nos prometem os dias risonhos de amanhã, a troco do nosso parco esforço de lhe confiarmos regularmente o imprescindível voto.
Mal saem dos Governos, logo o mundo inexoravelmente regressa à sua antiga barbárie, aqui, ou em qualquer outro lado de onde episodicamente se vejam arredados do Poder. Nada de socialmente bom se consegue, sem o concurso destes novéis benfeitores da Humanidade.
E lá foram todos, do Governo e das Empresas, da Banca e do Espectáculo saudar o conspícuo democrata Profeta, que, com veemência, lhes perorou sobre os malefícios das agressões ao ambiente, à nossa casa comum, a Terra, com números aterradores e apocalípticas previsões, que eles escutaram num momento, para rapidamente tudo esquecerem, de regresso aos seus reluzentes bólides, pletóricos de força, pelos muitos cavalos com que o engenho dos homens os aparelhou, para seu ambicionado conforto, se não merecido, pelo menos democraticamente autorizado.
Sempre poderíamos perguntar a este garboso apóstolo das verdades inconvenientes, de incógnita, mas certamente benfazeja Organização, que acções, que medidas ele e o seu bom companheiro (camarada soaria excessivo) Clinton fizeram ou tomaram para nos pouparem às calamidades de que agora tão gravemente nos advertem ?
Palpita-me, no entanto, que, na resposta, seríamos inundados de extensas listas de medidas altamente eficazes, de capital importância, que só a irremissível perversidade de Bush Júnior prontamente se encarregaria de invalidar.
Porém, como o providencial senso de justiça do povo americano felizmente não dorme, dentro de pouco tempo tudo voltará seguramente à anterior beatitude democrática, com a eleição de novo Presidente amigo do ambiente, como Al Gore, como Clinton, talvez até nem seja preciso procurar fora desta última família.
E, outra vez, um concerto de anjos, por esse mundo fora, aclamará a nova luz redentora da Casa Branca : os soldados regressarão a casa, o Iraque e o Afeganistão retomarão a sua normalidade guerreira, até que encontrem os seus inspirados líderes, cheios do habitual fervor haurido na proverbial força pacífica do Islão, a que a Europa, com a sua compreensiva mansidão, dará o seu acordo e a sua cooperação, para bem da convivência e da concórdia entre todos os Estados e Nações da Terra.
Tudo isto, Política e Ambiente, meus caros concidadãos, se encontra complexamente ligado, mas, pela módica quantia de mil e quinhentos euros por minuto, o Profeta Al Gore explica e clarifica, com a preciosa ajuda do miraculoso Power Point, de frases curtas e certeiras, profusamente coadjuvadas por gráficos, tabelas, desenhos, vídeos e anedotas – não há conferência ou simples apresentação de americano que não seja polvilhada de ditos humorísticos, nem sempre ajustados às idiossincrasias dos autóctones, mas, com o tempo, tenhamos confiança, a americanização das culturas eliminará também esse pequeno óbice – todos os pormenores, todos os segredos da actual desordenação do Mundo.
Não admira, por isso, que Al Gore tenha de se deslocar em jacto particular, longe dos inevitáveis enfados, dos horários inconvenientes, das bichas para registo de bagagem, dos insuportáveis tempos de espera nas comutações de destinos, todo um rol de intoleráveis empecilhos, absolutamente incompatíveis com a urgência da sua missão.
Alguns, sempre os mesmos mal intencionados, farão uns cálculos ao desperdício de energia, chegarão a uns rácios absurdos quanto a gases de efeito de estufa produzidos pelo gasto de combustível, esse líquido diabólico, que nos dá o conforto pessoal, mas nos envenena o ambiente, assunto aqui piedosamente esquecido, por virtude dos fins últimos a que tal personagem se votou, por nossa geral salvação, é bom lembrar !
Com um pouco de compreensão e de sentido político, votando a população mundial nos candidatos democratas, na América, socialistas, na Europa, a Terra voltará a ser respeitada e a presente ameaça oportunamente esconjurada por mais umas dilatadas centúrias, quem sabe se por eras, até ao final redentor dos tempos.
Entretanto, quem terá tido a inconveniente ideia de falar nos honorários do infatigável Pregador, insignificantes bagatelas, na deleitosa contabilidade dos ganhos que das suas iluminadas palavras hão-de brotar, para gáudio de uma Humanidade perplexa e amedrontada com a corrente incúria ambiental ?
Em vista de tais benefícios, não nos cabe senão desejar, de semblante radioso, que mil pregações, como as de Al Gore, floresçam, para usar uma expressão do especial agrado do actual Presidente da Comissão Europeia, outro alegre e bem sucedido benfeitor desta nossa velha Humanidade, atónita e expectante de tanto malabarismo mediático, de democrática e socialista inspiração, que mais pretenderíamos nós, afinal, cépticas criaturas ?
AV_Lisboa, 11 de Fevereiro de 2007
5.2.07
A Insustentável Leveza dos Méritos Agraciados
A ameaça concretizou-se : Souto Moura, ex-Procurador-Geral da República, foi hoje condecorado pelo Presidente da República, Cavaco Silva, com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo, uma das mais altas condecorações do Estado Português.
Esta relaxada DQT (Democracia Que Temos) persiste na sua via vergonhosa, desonrando-se e desonrando-nos a todos nós, com os seus critérios enviesados para distinguir cidadãos.
Depois de ter premiado copiosamente o seu antecessor, igualmente agraciado com idêntico galardão, por inexistentes serviços relevantes prestados à Nação, eis que o seu Adjunto, logo designado para o substituir no cobiçado cargo, apesar de conivente nas ineficiências do desempenho, vem também, por seu turno, a receber igual distinção.
Depois de termos assistido ao compadrio funcional de Mário Soares, à frente da República, depois de havermos sofrido a mediocridade palavrosa de Sampaio, ambos infatigáveis viajantes e celebrados dissipadores da fazenda nacional, vamos agora começar a apreciar a decepção de Cavaco Silva, supostamente eleito por maioria contrária à que por vinte anos assegurou o exercício dos cargos dos antigos socialistas presidentes.
Cada vez esta degradada democracia cava mais fundo o seu túmulo de descrédito em que há-de um dia terminar ou nós por ela, para nosso amargo infortúnio e supremo vexame.
Assistimos com impotência e desespero ao progressivo apagamento do Regime, esgotado, desacreditado, refém de grupos e de parcerias.
Que diria disto o nosso arguto Eça, como classificaria esta nova choldra a robusta prosa de Ramalho Ortigão, que Farpas eles hoje enfiariam no dorso pútrido desta trôpega República ?
Como a tratariam as desenvoltas penas de um Herculano ou de um Antero, como a classificariam as exigentes bitolas de um Jorge de Sena ou de um António José Saraiva, um dos raros a rejeitar a condecoração presidencial.
Mesmo um Torga, aparentado com os socialistas, de nome, que não de prática, mas digno e cioso da sua condição de Português honrado ou um Vergílio Ferreira, desdenhosamente designado, por gente vulgar e imprestável, de Sartre de Fontanelas, como suportariam eles estas permanentes afrontas à nossa inteligência e ao nosso senso de pudor ?
Como sofreriam estes Grandes Portugueses tanta desfaçatez, tanta mediocridade mascarada de modernidade, como vemos hoje alardear a enfatuadas nulidades, especialistas da Comunicação, da arte de falar, sem nada de válido dizer ?
Como corolário de tanto tripúdio, democrático, sem dúvida, mas absolutamente indecoroso, admirem-se de Salazar e Cunhal virem à frente na votação dos Grandes Portugueses, no concurso que a TV presentemente promove, ainda esperançosa de que o Povo se incline para as figuras históricas clássicas : Camões, Pessoa, D. João II, Vasco da Gama, D. Henrique ou o distante fundador do século XII desta desventurada família, Afonso Henriques, a caminho de ser responsabilizado pelo actual impasse em que colectivamente caímos, qual interminável purgatório, de uma cada vez mais incerta salvação, para evitar o descalabro da vitória póstuma dos líderes de vocação ditatorial !
Parece aos próceres desta DQT difícil de aceitar que o Povo não vota tanto na Ditadura, como antes pretende destacar, nas figuras de Salazar e Cunhal, algumas qualidades ausentes da prática política dos líderes hodiernos, como sejam a crença em ideais, a vontade de lutar por eles, sem medo de morrerem pobres, como, de resto, começaram as suas controversas vidas.
Há-de parecer loucura tal ideário a quem, com poucos anos de actividade política, logo se torna rico e desembaraçado titular de múltiplos cargos de Administração ou de Gestão de Empresas, predominantemente criadas por outros, seus antecessores, lorpas, por certo, porque nunca usufruíram afoitamente das suas vantagens hierárquicas, comprovadamente por tacanhez de espírito ou rematada estreiteza de vistas.
Terá ainda possibilidade de Regeneração esta desconjuntada DQT ?
Remeto, mais uma vez, aos meus prezados concidadãos a urgência de uma resposta a tão excruciante questão.
AV_Lisboa, 05 de Fevereiro de 2007
Como a tratariam as desenvoltas penas de um Herculano ou de um Antero, como a classificariam as exigentes bitolas de um Jorge de Sena ou de um António José Saraiva, um dos raros a rejeitar a condecoração presidencial.
Mesmo um Torga, aparentado com os socialistas, de nome, que não de prática, mas digno e cioso da sua condição de Português honrado ou um Vergílio Ferreira, desdenhosamente designado, por gente vulgar e imprestável, de Sartre de Fontanelas, como suportariam eles estas permanentes afrontas à nossa inteligência e ao nosso senso de pudor ?
Como sofreriam estes Grandes Portugueses tanta desfaçatez, tanta mediocridade mascarada de modernidade, como vemos hoje alardear a enfatuadas nulidades, especialistas da Comunicação, da arte de falar, sem nada de válido dizer ?
Como corolário de tanto tripúdio, democrático, sem dúvida, mas absolutamente indecoroso, admirem-se de Salazar e Cunhal virem à frente na votação dos Grandes Portugueses, no concurso que a TV presentemente promove, ainda esperançosa de que o Povo se incline para as figuras históricas clássicas : Camões, Pessoa, D. João II, Vasco da Gama, D. Henrique ou o distante fundador do século XII desta desventurada família, Afonso Henriques, a caminho de ser responsabilizado pelo actual impasse em que colectivamente caímos, qual interminável purgatório, de uma cada vez mais incerta salvação, para evitar o descalabro da vitória póstuma dos líderes de vocação ditatorial !
Parece aos próceres desta DQT difícil de aceitar que o Povo não vota tanto na Ditadura, como antes pretende destacar, nas figuras de Salazar e Cunhal, algumas qualidades ausentes da prática política dos líderes hodiernos, como sejam a crença em ideais, a vontade de lutar por eles, sem medo de morrerem pobres, como, de resto, começaram as suas controversas vidas.
Há-de parecer loucura tal ideário a quem, com poucos anos de actividade política, logo se torna rico e desembaraçado titular de múltiplos cargos de Administração ou de Gestão de Empresas, predominantemente criadas por outros, seus antecessores, lorpas, por certo, porque nunca usufruíram afoitamente das suas vantagens hierárquicas, comprovadamente por tacanhez de espírito ou rematada estreiteza de vistas.
Terá ainda possibilidade de Regeneração esta desconjuntada DQT ?
Remeto, mais uma vez, aos meus prezados concidadãos a urgência de uma resposta a tão excruciante questão.
AV_Lisboa, 05 de Fevereiro de 2007